Ovelhas Não Pastoreadas
Mautice Roberts
Se não estamos enganados, há um
crescente número de crentes infelizes. Sua infelicidade não resulta de uma
natural indiferença ou de um descontentamento temperamental, e sim de sua
insatisfação com aquilo que, em suas igrejas, lhes está sendo oferecido sob o
nome de adoração e pregação. Sentimos profunda compaixão por esses crentes.
Eles merecem atenção especial, e devemos orar com regularidade em seu favor.
Nas últimas décadas, têm existido tantos ventos de doutrina soprando sobre as
igrejas, que com justiça podemos dizer: tais ventos de doutrinas atingiram
proporções de um tufão. Mas o problema não se limita à doutrina. Estende-se a
formas e estilos de adoração pública. Se têm fundamento os rumores que chegam
aos nossos ouvidos, parecem que metade das igrejas que outrora eram saudáveis e
evangélicas entraram em uma segunda infância. Com freqüência, a única
qualificação necessária para que os adoradores recebam aceitação de seus
líderes é serem capazes de levantar as mãos e balançarem-nas, assim como as folhas
de uma palmeira ao vento, e serem fluentes em falar palavras incompreensíveis.
Possuir uma mente capaz de avaliar essas coisas é uma desvantagem positiva,
visto que coloca a pessoa que a possui na indesejável posição de compreender
quão ridícula e sem proveito é essa situação.
Igrejas em confusão
Devem existir diversos fatores
que levaram igrejas evangélicas, no passado grande e firme, a decidirem- se por
uma adoração infantil. Um desses fatores é a necessidade que muitos sentiram
quanto ao cuidado pelos jovens. Entre 1960 e 1970 ficou evidente que a geração
em crescimento estava se tornando desinteressada em ir às igrejas. Os jovens
não eram mais atraídos aos cultos pelos velhos hábitos das gerações anteriores,
mas foram envenenados em relação às coisas de Deus por meio da música popular
daquela época e por meio da galopante influência da televisão e dos esportes.
Esse fenômeno levou muitos
líderes de igrejas evangélicas a se preocuparem intensamente a respeito de sua imagem
aos olhos dos jovens. Pensava- se que não era mais possível aos pais crentes
disciplinarem seus lares ou preservarem seus filhos incontaminados pelo mundo.
A culpa, dizia- se, era da própria igreja, que permanecia. Antiquada e não
proporcionava .empolgação ou atrativos.. Se os jovens deveriam ser preservados
do mundo, novos e mais estimulantes estilos de adoração precisavam ser
introduzidos na igreja. Desse modo, o argumento se propagou.
Sem dúvida, esse tipo de
raciocínio resultou em uma boa medida de incredulidade. Os líderes, em muitos
casos com bons motivos e pressentimentos íntimos, cederam aos jovens a maneira
de conduzir a adoração na igreja. Pouco a pouco, a confusão se espalhou.
Seriedade e ordem, antes sustentadas como virtudes elementares na adoração ao
Todo-Poderoso, foram ridicularizadas como arqui-inimigas da adoração
espiritual. .Liberdade e espontaneidade. Tornaram-se as novas regras da
adoração. Afinal de contas, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade; e
não deveria tal liberdade estar disponível a todos os crentes? Acabemos com os
grilhões que prendiam as gerações anteriores! Finalmente, chegara à época da
adoração. Homens, mulheres, crianças e jovens, todos deveriam ter liberdade de
participarem ativa e audivelmente. Os resultados estão conosco até hoje. Os
frutos de uma anarquia geral de adoração são estes: o barulho suplanta a
reverência e a superficialidade substitui a maturidade espiritual, enquanto
outras coisas menos importantes reduzem o tempo da pregação da Palavra. Como
alguém tem dito o adorador típico bem poderia deixar em casa a sua cabeça ao
vir à igreja, porque essa parte de seu corpo é irrelevante enquanto participa
desse tipo de culto.
Grande prejuízo aos
verdadeiros crentes
Nosso propósito ao salientar
esses males é procurar mostrar quão prejudicial eles são ao verdadeiro rebanho
de Cristo. Aqueles que desejam alimentar sua alma e vêm à igreja com interesse
podem ficar alarmados e ofendidos diante dessa adoração superficial. Os filhos
da graça sabem que Deus é glorioso em santidade. Eles vão à casa do Senhor com
reverência e temor. O Espírito Santo lhes ensina que precisam ter uma atitude
sublime e reverente em relação a qualquer coisa e a tudo que se refere à
adoração a Deus. Anelam sentir a presença de Deus em seus corações e desejam
muito que a verdade de Deus se torne poderosa e clara em suas mentes. Ficam
indignados em seus corações, quando veem outros crentes adorando motivados por
coisas irrelevantes, quer na adoração, quer na pregação. Sentem-se tristes,
pois sabem que o Espírito do Senhor está sendo entristecido.
Infelizmente, isso é o que está
acontecendo em igrejas evangélicas de todas as denominações. Crentes sérios,
que seriam capazes de dar a sua vida por Cristo, se lhes fosse exigido, estão
sendo levados a sentirem se mal acolhidos em suas próprias igrejas. Sua
espiritualidade é considerada como desajeitada. Grande parte dos crentes
maduros na igreja estão sentindo-se isolados por seus companheiros, por não
poderem entoar canções festivas que os outros utilizam em nome da adoração...
Assim, existe uma situação em que o culto é freqüentemente um teste de
paciência, ao invés de ser um tempo de devoção para o povo de Deus. Os crentes
maduros não querem criar problema, mas suas consciências agravadas não podem
aprovar as novas músicas, cânticos e hinos, as gesticulações e a nova atmosfera
nos lugares onde anteriormente eles e seus pais adoravam a Deus com santo
temor.
A espiritualidade em jogo
Sem dúvida, essa não é uma
simples questão de época ou de geração. Mais do que isso, é uma questão de
espiritualidade, maturidade e conhecimento. Existem crentes velhos que se
comportam como crianças. Mas, graças a Deus, também existem crentes novos que
têm feito bom uso das Escrituras, de livros evangélicos e confissões de fé ao
ponto de serem já crentes firmes e bem instruídos.
Pessoas espirituais vêm à igreja
para encontrar-se com Deus; não desejam que entretenimento lhes seja oferecido.
Aqueles que desejam entretenimento podem obtê-lo a qualquer hora, indo a teatro
e lugares de diversão, onde lhes será abundantemente oferecido por pessoas do
mundo. Na vida cristã, existe lugar para diversão e alegria saudável e pura. O
povo de Deus precisa tempo de sorrir, assim como as outras pessoas. Enquanto
eles evitam formas de entretenimento mundanos, não se recusam a ocasionalmente
desfrutarem de alegria e despreocupação. Mas o povo de Deus não vai à igreja em
busca de divertimento. Não procura entretenimento, tampouco sente- se tranquilo
ao encontrá-lo na igreja. Adoração e entretenimento nunca andam juntos;
adoração e leviandade jamais caminham lado a lado.
O que está em jogo em tudo isso
é aquela preciosa coisa que chamamos espiritualidade. O homem espiritual treme
diante da Palavra de Deus e possui um elevado conceito sobre cada aspecto e
elemento da adoração a Deus. Ele não apenas exige espiritualidade na pregação;
também exige e espera vê-la na leitura da Bíblia, nas orações públicas e na
mensagem e tonalidade dos cânticos espirituais. Ele anela contemplar
espiritualidade na casa de Deus e tem todo o direito de encontrá-la ali.
Solidão espiritual
Não é difícil perceber porque
muitos do povo de Cristo hoje são crentes solitários no meio da multidão
reunida na igreja. Eles se alegram quando o templo está repleto de pessoas, mas
ficam perturbados se percebem que nada existe na igreja, exceto uma multidão
barulhenta. Estão propensos a questionar, com admiração, se, afinal de contas,
cem adoradores, ou mesmo vinte e cinco, não é preferível a uma multidão
irreverente. Isto não deve ser confundido com uma mentalidade de pequeno
rebanho... Não aplaudimos a teoria de que as igrejas devem sempre ser pequenas.
Pelo contrário, em nossa opinião elas devem ser grandes. Pensamos que igrejas
com mil membros não são grandes demais. Desejamos que nosso país se encha desse
tipo de igrejas.
No entanto, ter muitos membros
apenas por amor a números em geral é uma traição a Cristo. A liderança abaixa
os padrões de santidade para atrair grande número de pessoas. Em um ponto
crítico desse processo de diluição, a adoração deixa completamente de ser
reconhecida como adoração por aqueles que andam em intimidade com Deus. O
número de membros talvez aumente, mas o crente espiritual e solitário, que
testemunha esse declínio, receia que o Espírito Santo esteja sendo abafado e Se
retraindo. .Icabode. É o verdadeiro nome de tal igreja. É quase impossível
acharmos comunhão espiritual. Os poucos crentes realmente santos que restam
isolam se e mantêm-se solitários.
Nenhuma solidão é tão difícil de
ser suportada quanto a solidão experimentada em meio a multidões. Quantos
crentes percebem essa situação em suas próprias igrejas! São os últimos a
falarem sobre isso, porque são pessoas pacientes, dedicadas a oração e
longânimes. Não é bom para seus pastores e líderes permitirem que situações
como esta permaneçam em suas igrejas. Ao diluírem a adoração, atraíram à igreja
multidões inconstantes, e entristeceram o coração dos justos.
Prejuízos resultantes da
mudança
Existem prejuízos visíveis
resultantes desse tipo de mudança sobre a qual já falamos. Um destes prejuízos
é o tratamento cruel demonstrado ocasionalmente à ovelhas fiéis que se recusam
a mudar. Devido ao fato que eles não podem, em boa consciência, seguir a
debanda geral para abrilhantar a adoração a Deus, bons ministros do evangelho
têm de abandonar suas igrejas. Não se leva em conta que eles passaram vinte ou
trinta anos expondo com fidelidade e devoção a Palavra de Deus aos seus
rebanhos. Seu crime é resistirem ao clamor universal por inovações. Portanto,
esses homens bons têm de ceder lugar ao menos de aprimoramentos que pastores
jovens e líderes fracos insistem em oferecer à igreja.
Outro fruto menos agourento
desse novo estilo de vida da igreja é o surgimento, em nossa época, da rejeição
da lei de Deus na vida prática. Alguém pode evitar referir-se a isso em
detalhes; mas o fato evidente é que os novos membros de igreja têm se revelado
menos felizes em resistir à tentação do que os crentes antigos costumavam ser.
Sem dúvida houve excesso de severidade na adoração praticada por igrejas do
passado. Mas os crentes sentiam-se seguros. Eles não brincavam com a tentação.
Não apelavam à carne. As pessoas vinham à casa de Deus com roupas estritamente
adequadas e decoro completo. Infelizmente, isso não pode ser dito sobre muitos
dos cultos modernos. Uma grande multidão diversificada na casa de Deus abaixa
todo o nível da adoração. Todo pastor sabe que existem prejuízos morais
resultantes dessa falta de santidade prática. Não deveria ser assim.
É uma consolação para as ovelhas
de Cristo não pastoreadas saberem que nos céus elas têm um Pastor que contempla
seu estado. Precisam recordar sua verdadeira posição, retratada pelo Pastor em
passagens bíblicas como Ezequiel 34. Estão solitárias por causa da
incompetência e inaptidão de seus líderes. Os outros crentes não as amam nem
desejam sua companhia, porque são muito espirituais para sua geração. Mas um
dia Cristo exigirá de seus pastores negligentes uma explicação para essa
negligência. Além disso, o próprio Senhor Jesus tomará para Si mesmo seu povo solitário
e desprezado, outorgando-lhes sua graciosa presença, nesta e na vida por vir.
Os crentes solitários de nossos
dias devem meditar nessas palavras maravilhosas: Estou contra os pastores e
deles demandarei as minhas ovelhas. (Ez 34.10); Eis que eu mesmo procurarei as
minhas ovelhas e as buscarei . (v. 11); .livrá-las-ei de todos os lugares para
onde foram espalhadas no dia de nuvens e de escuridão. (v. 12);
.apascentá-las-ei de bons pastos, e nos altos montes de Israel será a sua
pastagem. (v. 14). .Eis que julgarei entre ovelhas e ovelhas, entre carneiros e
bodes. (v. 17); .Eu, o Senhor, lhes serei por Deus, e o meu servo Davi [Cristo]
será príncipe no meio delas; eu, o Senhor, o disse. (v. 24).
Com tais promessas, quem não desejaria
estar sozinho com Cristo por breve tempo nesse mundo?